Considerações gerais sobre as dissonâncias


Após os acordes formados de duas terças superpostas (acordes perfeitos, quinta diminuta, quinta aumentada) vêm, então, aqueles formados por três terças. Exemplos:

A eles chamamos acordes de sétimas.
Obs.: note as respectivas sétimas, si bemol e mi, marcadas pelas setas.

Durante muito tempo o uso foi de preparar as sétimas. Eis em que consiste a preparação. Dado um acorde, diz-se que uma dissonância está preparada quando esta se encontra na mesma voz e na mesma oitava do acorde que a precede:


O sol do soprano, 7a. sobre o lá do baixo, está preparado.

Não há preparação regular nos seguintes casos:


(B) Prepração por salto de oitava; (C) Preparação por troca; (D) 7a. não preparada.

(Em (B), o sol no soprano é preparado pelo contralto, mas nas lições de harmonia isso não é permitido, ao menos nos inícios.)

O efeito de uma sétima preparada (A) por ligadura, como se acaba de ver, é certamente mais suave que o de uma sétima atacada (D), (C) ou mesmo (B). Por outro lado, o intervalo de sétima é por si mesmo mais áspero, mais incisivo, que o de quinta ou de terça; e ainda, na história da harmonia, os intervalos que primeiro apareceram foram os de terça, quarta e quinta1. Escrevia-se as 7as, 2as, e 9as preparadas por síncope (não faço o histórico, sobre o que retornarei no último capítulo). Assim, admite-se sem preparação a sétima de dominante, a sétima diminuta e suas inversões2, quer dizer:


(1) em Dó e suas inversões; (2) em lá menor e suas inversões

E, de tempos em tempos, diversas sétimas de espécies diferentes.
Mas hoje, é comum que não se prepare mais as sétimas. - Freqüentemente faz-se intencionalmente não lhes preparar - e elas são, então, um elemento incisivo cujos recursos muito se aprecia.
No que concerne às lições de harmonia, eu aconselharia aos alunos, no entanto, de seguir a marcha e as regras dos tratados já existentes (sempre pelas mesmas razões já expostas, o que é inútil repetir toda hora). Admitiremos neste tratado, portanto, como nos precedentes3, que se poderá não preparar as sétimas de dominante, mas que será necessário, no momento, preparar as outras.4 Ademais, as preparações e os retardos tem um sabor particular, que não necessariamente as apojaturas e as notas de passagem o transmitem. É bom apreciá-las e saber usá-las. Temos aí, então, um estilo sereno, cuja tranqüilidade, aliás, pode-se fazer muito expressiva...


Notas:
1. Já disse em outro sítio que não há cisão brusca, verdadeira, entre consonância e dissonância, mas há diferenças de qualidades na naturreza das 7as, 2as, e das 9as. Há muito tempo quis o uso que se lhes preparassem.
2. Simplifico um pouco a exposição deses fatos. Na realidade se encontra, mas isoladamente, sétimas e até nonas sem preparação entre os precursores, empiristas de gênio, desde o século XIV. Por outro lado, Monteverdi escreveu, não preparadas, outras sétimas, além das de dominante.
3. Nãofarei distinção entre harmonia dissonante natural e harmonia dissonante artificial. A primeira, dizem os tratados, é extraída da série harmônica; a outra resulta de um artifício, a preparação. Essa argumentação não é consistente. A série harmônica fornece muitas outras dissonâncias do que a 7a e 9a de dominante, se prosseguimos com ela mais adiante! E as outras sétimas não tem nada a mais de "artificial" que as de dominante. Além disso, a sétima dada pela série harmônica é bem mais baixa que a 7a menor e ela não soa dissonante.
4. Outras sétimas são admitidas sem preparação, se nos ativermos ao uso dos tratados. Essas sétimas são sobrepostas à sensível (em maior ou em menor). Considera-se-lhes como acordes de nona cuja fundamental seria suprimida, mas subentendida. Voltaremos a isso mais adiante.